domingo, junho 03, 2007

MÍDIA & POLÍCIA FEDERAL
A navalha cega e o dia seguinte

Por Ângelo Augusto Costa em 29/5/2007

Agora, enfim, a imprensa mostrará se está à altura dos desafios de um país lacerado pela corrupção e desejoso de livrar-se do mal, ou se está conformada com o papel de caixa de ressonância de um setor da Polícia Federal. Por isso, duas pautas, a meu ver, impõem-se neste momento.

Primeira: o que a eficiência da Polícia Federal nas operações esconde? Qual é o segredo? Apenas o Estado de S.Paulo chegou perto, mas não muito, de mostrar que existe uma PF dentro da PF; e que essa PF-2, por assim dizer, é a responsável pelo sucesso das investigações – Navalha, Hurricane e outras. Uma PF sem as graves restrições materiais de outras unidades policiais, com dinheiro, tempo, homens e tecnologia para investigar. Essa PF conversa com o Ministério Público e com o Judiciário, negocia prazos e estratégias, organiza o trabalho para ajudar quem vem depois, monta relatórios e dossiês muito completos. Sabe qual é seu papel e tenta cumprir rigorosamente a lei. Tem o apoio total da chefia.

Duas polícias na mesma polícia

Ela também escorrega, claro. Se fosse mais ousada na apuração, a imprensa chegaria aos fracassos da nova PF, o que é uma boa história. Mas a melhor é que a PF-2 não quer nada com a outra, a PF-1, a da greve, das filas em aeroportos e delegacias, dos 40 dias para emitir um passaporte, dos inquéritos que vagam como zumbis moribundos, sem rumo, sem fim, entre um pedido de prorrogação de prazo e outro e ordens do Ministério Público jamais cumpridas por qualquer motivo fútil.

Em alguns inquéritos, só falta o delegado da PF-1 dizer que não despachou no prazo porque tinha de cortar o cabelo no Jassa. A esse respeito, lembrou o Estadão um fato curioso: a PF-2 não compartilha, nos estados, sequer os prédios da PF-1. Deveria ter acrescentado que, na sede da PF-2 em Brasília, quem é da PF-1 não entra sem estar devidamente autorizado: existe um rigoroso controle eletrônico de acesso.

A imprensa, no entanto, ignorou até agora essa história das duas polícias dentro da mesma polícia e atribui à PF inteira o que é próprio de um pequeno e seleto grupo. Daí ser necessário mostrar o outro lado: a PF que não funciona, a PF de todos os dias; a PF que o cidadão brasileiro tem de enfrentar em seu cotidiano; a PF que não investiga neca dulcineca por comodismo; a PF que finge trabalhar em seus prédios imponentes, caros e inúteis.


Fonte: Observatório da imprensa